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ENTREVISTA:Odorico Coelho da Costa Neto,secretário executivo/ CNRMS

Em dezembro, durante o Seminário Regional das Residências em Saúde da Região Nordeste, o último da série de quatro encontros preparatórios para o V Seminário Nacional das Residências, que será realizado no segundo semestre de 2015, o secretário executivo da Comissão Nacional de Residência Multiprofissional em Saúde (CNMRS), Odorico Coelho da Costa Neto concedeu entrevista ao hotsite sobre residência do Conselho Federal de Farmácia (CFF). Na conversa, ele abordou temas como a remuneração para precptores e tutores e o reconhecimento dos programas, para fins de certificação. Confira:

Quais são os temas mais relevantes que foram discutidos durante os quatro Seminários Regionais da Residência em Saúde? Os problemas são os mesmos em todas as regiões?

Praticamente os mesmos. São: a elaboração dos projetos pedagógicos; a questão da carga horária de 60 horas, sobre a qual alguns são favoráveis, outros não; preparação e valorização de preceptores e a necessidade de se ter uma legislação mais uniforme, talvez um decreto lei, como tem na residência médica.

 

Qual é a dificuldade em relação ao projeto pedagógico?

O grande problema são as peculiaridades de cada local onde os programas estão inseridos. O conceito praticamente todos entendem. Mas ainda não se tem uma preparação para que ele seja realmente aplicado na rede. Esta ainda não se encontra preparada para receber o residente. Há a necessidade que os gestores entendam que a rede é uma rede formadora de recursos humanos. Por isso mesmo, as pessoas que ali estão também têm essa responsabilidade de formação, o que eles, na maioria das vezes, não entendem como uma responsabilidade.

 

E como contornar essa dificuldade? Não é algo que se resolva por decreto, não é?

De maneira nenhuma. Norma, decreto, lei, simplesmente não resolvem. Há a necessidade do engajamento dos gestores, municipal, estadual, neste processo, para que haja uma preparação dos trabalhadores que se encontram na ponta, no sentido que eles entendam que fazem parte de uma rede prestadora de serviços, mas também formadora e de aprimoramento de recursos humanos.

 

A municipalização da Saúde trouxe uma maior rotatividade de gestores. Resguardados os casos em que há reeleição de prefeitos, eles mudam a cada quatro anos. Esse é um problema para a consolidação da residência em saúde?

A rotatividade nos cargos de gestão da saúde é um fator que dificulta o aprimoramento do processo. Quando o gestor não entende que a rede tem, também, um papel formador, o processo de formação sofre interrupções. Mas a municipalização em si é um fator positivo. A residência precisa dela para estar mais próxima da realidade do usuário, pois é no município que ele vive.

 

Nos Seminários Regionais das Residências em Saúde, uma das reivindicações mais frequentes foi a redução da carga horária de 60 horas, para 44 horas. Os residentes também se queixaram de vários problemas envolvendo questões trabalhistas que permeiam o processo de formação em serviço, como a reposição de faltas por atestado médico. É possível reduzir a jornada? Como ficam essas questões trabalhistas?

O primeiro passo é termos clareza quanto à definição de residência e de residente. Isso é fundamental. Em determinados momentos, por similaridade, é considerada a Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT). Mas, na realidade, o residente não recebe salário e, sim, uma bolsa trabalho, que não gera vínculo empregatício.

 

E o que é o residente?

Ele é um profissional com registro em seu conselho de classe, ou seja, responde ética e legalmente por sua prática,  mas que se encontra em fase de formação e treinamento, sendo, portanto, considerados aprendizes, sob a tutela e responsabilidade da instituição que os cadastrou, que deve oferecer supervisão direta das atividades por ele desenvolvida.  Além disso, como disse anteriormente, ele recebe bolsa trabalho, que não gera vínculo empregatício.

 

Então ele não está submetido à mesma legislação que o empregado comum? Não teria, por exemplo, direito assegurado em caso de acidente de trabalho?

Esses são aspectos que geram confusão. Como o residente recolhe a contribuição à Previdência Social, ele tem, sim, direito aos mesmos benefícios que o trabalhador comum. Em caso de acidente de trabalho, nos primeiros 15 dias de afastamento, ele recebe a bolsa salário. A partir daí, caso necessário, permanecerá afastado pelo INSS. Para dirimir essas dúvidas, teríamos, realmente, que ter uma normatização específica.

 

Como será feito?

O ideal seria fazermos a proposição de um decreto-lei.  Acredito que esse deve ser um dos principais temas do V Congresso Nacional das Residências em Saúde, em 2015.

 

E a redução da carga horária de 60 horas? Será possível?

Existe uma corrente que defende a redução para 44, 48 horas e outra que acha necessária a manutenção das 60 horas. E vimos aqui que, em alguns países, a carga horária dos residentes chega de 80 horas. Entre os que acham que devem ser mantidas as 60 horas, há aqueles que defendem uma qualificação deste tempo e da distribuição das atividades dos residentes ao longo da semana. O tempo destinado ao planejamento do trabalho, por exemplo, deve ser contado como atividade.

 

A tendência é manter a carga horária de 60 horas?

 Não posso afirmar que a tendência é esta ou aquela. Mesmo porque, na posição de secretário da Comissão Nacional de Residência Multiprofissional em Saúde (CNMRS), o meu papel é propor a discussão sobre o assunto.  Mas se a decisão for pela redução da carga horária, há necessidade de se estabelecer critérios muito bem definidos, para que não haja queda da qualidade na formação do residente e para que a residência em área profissional da saúde não seja considerada, entre aspas, uma residência de segunda categoria. 

 

Qual é a sua opinião sobre o assunto?

Quando converso com os coordenadores dos programas, a imensa maioria se manifesta favorável à manutenção das 60 horas. Entre os residentes, a solicitação é que haja uma redução. Por isso tem de existir um diálogo com foco na qualidade. Se for manter, tem de ser qualificada. Se houver a redução, deve ficar tudo muito bem definido para que não haja queda de qualidade. Então, com certeza, esse é um tema que será levado ao debate no Seminário Nacional, mesmo porque, a Residência Médica, que foi utilizada como parâmetro para pagamento das bolsas da Residência Multiprofissional em Saúde tem carga horária de 60 horas. Dificilmente haveria uma redução com manutenção do valor atual da bolsa.

 

Mas, e sua opinião?

 Quando falamos em jornada de trabalho, temos de considerar os trabalhadores como um todo: 60 horas é uma carga horária aceitável para um trabalhador? Sessenta horas talvez seja muito. O ideal é que sejam 44 horas, para que haja lazer, descanso, para que não gere os problemas de saúde em decorrência da sobrecarga de trabalho. Então, é essa a discussão que devemos fazer. O que não podemos é abrir mão da carga horária em detrimento da qualidade. Também não podemos pensar que somente a carga horária qualifica a formação.  Agora, há necessidade de se definir uma carga horária adequada para a formação? É outro aspecto que precisa ser discutido, para que encontremos um ponto de equilíbrio. Esse, sem dúvida, vai ser um assunto amplamente debatido no Seminário Nacional e que requer ações que fogem à simples deliberação por parte da Comissão Nacional. Exigirão mudanças em lei, que envolvem o Congresso Nacional.

 

De acordo com a representante do Ministério da Educação (MEC), Sônia Regina Pereira, a qualificação dos preceptores é o grande gargalo da residência. O que o senhor acabou de dizer sobre a redução da carga horária, vale para a questão da remuneração ou de incentivos para preceptores e tutores?  É algo que extrapola o poder de decisão da Comissão?

Sendo a residência uma especialização latu Sensu, pressupõe-se que a qualificação mínima aceitável para o preceptor é especialização. Nem todo o quadro disponível de preceptores da rede preenche esse pré-requisito. Em algumas  localidades, os preceptores tem titulação inferior a que o residente vai adquirir. Mas a solução deste problema é tripartite: envolve a união, o estado e o município. E muitas vezes, os gestores do estado e do município não entendem assim. Pensam que o incentivo para tutores e preceptores seria responsabilidade exclusiva da União.

 

Mas este é um problema que “se resolve por decreto”, não? Bastaria impor o incentivo como contrapartida do município ou do estado.

Muitas vezes o gestor assina, compromete-se, mas não cumpre. É preciso conscientização.

 

Mas vai ser elaborada uma regulamentação neste sentido, prevendo essa contrapartida?

A Comissão Nacional de Residência Multiprofissional em Saúde tem a participação do Conass e do Conasems, que representam os gestores estaduais e municipais. Acreditamos que essa aproximação favorecerá o entendimento necessário sobre a questão, tornando-se desnecessária a publicação de uma normativa.

 

A regulamentação está sendo cobrada porque ao assumirem a responsabilidade como tutores ou preceptores, os profissionais acabam assumindo uma carga de trabalho extra, sem nenhum incentivo.

Isso ocorre porque os gestores ainda não compreenderam que a rede tem também a função da formação profissional. A atividade de tutoria e preceptoria deve ser exercida dentro da carga horária contratual, não implicando em jornada extra. Isso significa que os profissionais envolvidos precisam ter parte da sua carga horária reservada para as atividades inerentes a estas tarefas. Até porque, ações mais planejadas representam ganho em escala.

 

O senhor mesmo diz que falta esse entendimento por parte do gestor. Então, não seria o caso de se estabelecer isso por escrito? Por exemplo, o preceptor teria duas horas de sua jornada semanal para planejar as suas atividades na preceptoria.

Não cabe à Comissão interferir a este ponto. Ela define questões mais gerais. Essas, mais específicas, de organização do trabalho, são da alçada do gestor.

 

O que fazer então para melhorar a atual situação da maioria dos preceptores e tutores?

Trazer o Conass e o Conasems para o debate sobre o assunto e promover a conscientização dos gestores. Não será um decreto ou uma portaria que mudará a realidade atual. O gestor tem de se convencer que a participação da rede na formação dos recursos humanos melhora a realidade do município dele.  Nós temos essa responsabilidade, esse compromisso: uma vez implantada em uma determinada localidade ou região, a residência tem de ser um fator indutor de mudança. Que mudança que a gente quer? Qualificação. Fazer mais com menos. O gestor vai fazer um investimento para que a rede dele seja mais resolutiva e qualificada.

 

A remuneração do preceptor e do tutor, então, está descartada?

Não! Já houve um tempo em que existiu a remuneração.

 

Como norma, como obrigação?

A lei 11.129/2005, que instituiu a residência em área profissional da saúde, diz da possibilidade de pagamento de bolsas para residentes, tutores e preceptores. Algumas localidades, alguns gestores, viabilizam essa remuneração por seus próprios meios. Mas nem o Ministério da Educação e nem o da Saúde têm dotação orçamentária para isso. Já tiveram.

 

Vai ser reivindicado o retorno desta dotação?

Vamos reivindicar, sim. Um dos pontos levantados em todos os seminários regionais foi a necessidade de se buscar a formação e valorização dos preceptores como entes formadores, além de sua remuneração.

 

O que será feito para viabilizar a capacitação dos preceptores?

Estamos estudando a possibilidade de realização de um curso de capacitação de preceptores, como está sendo feito na residência médica. A intenção é que, além de titulado, o profissional esteja devidamente capacitado para atuar na preceptoria e que essa qualificação resulte na valorização do profissional, com previsão de melhoria de seu ganho salarial no plano de cargos e salários. Esse é um dos desafios que temos de vencer.

 

Outro desafio é o da certificação. Conforme foi colocado pelos próprios representantes da CNRMS, o MEC não tem um banco de avaliadores suficiente para dar vazão à certificação de todos os residentes de todos os programas que existem hoje...

Hoje temos 78 avaliadores e 938 programas. Precisaríamos de aproximadamente 400 avaliadores, para que seja colocada em prática a Resolução nº 07/14 processo de avaliação, regulação e supervisão. Importante lembrar que o trabalho dos avaliadores é necessário no momento da autorização de funcionamento e depois, o de reconhecimento. Os programas já existentes e que estão devidamente cadastrados no sistema serão reconhecidos e autorizados a emitir certificados que serão homologados pela Comissão Nacional. Aqueles que começaram o cadastro e não conseguiram completá-lo por problemas no sistema terão oportunidade de retornar e completar as informações. Programas novos, que iniciarem em 2015, a intenção é que comecemos de forma já adequada à nova resolução, com vistoria prévia à autorização.

 

Os avaliadores existentes são suficientes para isso?

Para a avaliação dos programas novos sim. Mas o banco será ampliado. Os critérios para inclusão de avaliadores foram flexibilizados – agora podemos ter avaliadores com especialização latu sensu, desde que comprovem dois anos de experiência. Há um compromisso do Ministério da Educação de abrir edital em janeiro ou início de fevereiro, para ampliação do banco. Após a seleção, os avaliadores que preencherem os pré-requisitos passarão por um processo de capacitação.

 

Quantos avaliadores serão chamados?

Se nós temos 78 e precisamos de 400, acredito que serão chamados quantos forem necessários para preencher esse quadro.

 

A capacitação é demorada?

O curso de capacitação envolve prática e precisará ser ministrado para grupos menores. O tempo que vamos levar vai depender do número de inscritos e de quantos for possível chamar.

 

E para os programas anteriores a 2005?

Conforme parecer da Consultoria Jurídica do MEC, a Comissão Nacional não pode legislar sobre a realidade anterior à existência da residência multiprofissional. Essa tarefa seria do Ministério da Educação. Assim,  a Comissão Nacional pode  propor  ao secretário de Ensino Superior do Ministério, a elaboração de uma portaria definindo os critérios para certificação dos programas anteriores a 2005.

 

E como deverá transcorrer o processo de certificação desses programas? Por chamamento público?

Uma comissão interna do MEC – que contou com a participação da assessora da Presidência do Conselho Federal de Farmácia, Zilamar Costa Fernandes – realizou um levantamento junto ao Ministério da Saúde, das residências financiadas pelo órgão antes de 2005. Mas será feito um chamamento público para os interessados comprovarem que preenchem os pré-requisitos mínimos exigidos e possam, assim, ter, homologados, os certificados que provavelmente eles já concederam aos seus residentes na conclusão dos programas.

 

Os certificados emitidos pelos programas de residência são aceitos para fins de registro de título de especialização?

Alguns conselhos profissionais já registraram títulos de especialização a partir de certificados de programas de residência. O que estamos viabilizando agora são as condições para que esses certificados, que são emitidos pelos programas, sejam homologados e reconhecidos como títulos de residência.

 

Outro passo importante é que todos os conselhos profissionais façam o registro destes títulos. O que está sendo feito para isso?

Essa é outra vertente de trabalho da CNRMS: trabalhar em conjunto com os conselhos. Hoje nós temos uma série de residências que não tem correspondência para titulação nos respectivos conselhos profissionais. Por exemplo: o profissional de Odontologia faz uma residência em saúde da criança. A área de correspondência da Odontologia para essa residência é a odontopediatra. Mas para que ele obtenha o registro do título é preciso que isso seja pactuado com o conselho.

 

Não seria o caso de criar um título específico? Por exemplo, existe o médico sanitarista... São títulos genéricos, que englobam uma atuação ampla no serviço público.

Mas ainda assim é algo que precisa ser pactuado com os conselhos. Não pode ser uma decisão unilateral. Uma reunião será realizada em fevereiro, com todos os conselhos profissionais, em que nós, da Comissão, faremos uma apresentação demonstrando a realidade existente e o que é necessário adequar. Já estamos trabalhando, também, nas câmaras técnicas da CNRMS uma proposta de padronização. Uma vez aprovada, contribuirá para a solução de um problema verificado hoje que é o fato de termos programas com conteúdos muito semelhantes e nomes completamente diferentes. Isso dificulta até a mobilidade dos residentes, quando estes solicitam transferência.

 

Em relação à especialização, a formação proporcionada pela residência é equivalente?

A carga horária mínima da especialização é de 360 horas, podendo ser acrescida de acordo com as características de cada programa e até mesmo por orientação dos Conselhos Profissionais, mas sendo bem inferior à carga horária da residência, que é de 5.760 horas. Também está caminhando o processo de valorização da residência como processo de formação diferenciado de especialização. O Conselho Nacional de Educação deve publicar, em breve, normatização prevendo a residência como especialização lato senso com legislação específica. 

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