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Entrevista/LUCAS OKAMURA

Farmacêutico de destaque internacional fala sobre importância da residência em saúde como modalidade de especialização


 

O farmacêutico curitibano Lucas Okumura, de 28 anos, foi o primeiro brasileiro certificado/credenciado pelo Board of Pharmacy Specialties, divisão autônoma da American Pharmacists Association (APhA). Atualmente, o seleto grupo de farmacêuticos clínicos com essa certificação em todo o mundo tem em torno de  25 mil profissionais, sendo a maior porte dos Estados Unidos (19 mil). Na lista estão também, nesta ordem, Canadá, Espanha, Malásia, Egito, Arábia Saudita, China. Lucas é o 5º profissional da América Latina a conseguir esse mérito. Ele foi certificado na categoria farmacoterapeuta generalista/internista (BCPS: Board Certified Pharmacotherapy Specialist), segundo ele, graças à experiência obtida em uma de suas residências multiprofissionais, na área de Oncologia e Hematologia. Acompanhe a entrevista que o farmacêutico concedeu ao site sobre residência multiprofissional do Conselho Federal de Farmácia (CFF):

Quando concluirá sua residência?

​Concluí dois anos em Oncologia e Hematologia pelo Hospital de Clínicas da Universidade Federal do Paraná (HC UFPR) e, agora, pelo Hospital de Clínicas de Porto Alegre (HCPA), concluirei (outros dois anos) em Pediatria em 03/2017.

 

Qual a importância de se cursar uma residência?

​Em um coro coletivo, a residência é a oportunidade de treinamento em serviço antes de exercer a profissão, e também a oportunidade de experiência profissional sob supervisão, onde teoria complementa a prática e vice-versa. Mas acho que vai muito além. As residências se aproximam de um modelo de treinamento da prática farmacêutica e da oportunidade de inserção na pesquisa acadêmica, o que já está bem estruturado em outros países: exercer a profissão farmacêutica e seguir com projetos de pesquisa em uma especialidade clínica ao longo da vida.

 

No Brasil, por muitas gerações, quem queria praticar farmácia e se aprofundar no meio acadêmico, tinha apenas uma opção: projetos de mestrado e doutorado na área clínica. Essa lógica sustentou (e ainda sustenta) a condução de muitos estudos importantes no Brasil. Com o avanço das residências, e mediante uma boa orientação de pesquisa e um bom preceptor de prática, é possível levar essas duas carreiras ao mesmo tempo.

 

Vale lembrar que no Brasil não possuímos distinção clara entre 4 diferentes opções de atuação farmacêutica, onde nos EUA e no Canadá são bem definidas. Os que desejam ser farmacêuticos clínicos precisam cursar PharmD (6 a 7 anos) e residência em Farmácia prática. O bacharel em Farmácia, que está habilitado a atuar em indústrias, por exemplo, necessita cursar(BPharm de Ciências Farmacêuticas (3~4 anos). Ser farmacêutico clínico e pesquisador em uma especialidade envolve obter uma formação de PharmD e 2 residências (sendo uma voltada ao desenvolvimento de pesquisas de uma especialidade clínica) ou fellowship. O pesquisador acadêmico puro normalmente precisa de 4 anos de Doutorado (PhD), após um BPharm (como ocorre no Brasil) ou um PharmD.

 

O que de mais significativo foi vivenciado durante o programa?

​Complementando o que mencionei acima, de proporcionar experiência profissional e atividades acadêmicas, a residência é um bom ambiente para desenvolvimento pessoal. Exercer as atividades assistenciais em um ritmo de 60 horas semanais nos deixa no limite físico e psíquico. Isso proporciona um exercício interessante para manter um bom nível de comunicação e relacionamento profissional. Além disso, é parte da vivência da residência refletir nossas limitações técnicas, clínicas e emocionais, sendo uma oportunidade para crescer como farmacêuticos.

 

Na minha experiência pessoal, usei a residência como plataforma para me desenvolver como profissional clínico. No dia-dia, cada pergunta de médicos, cada paciente acompanhado, cada problema na farmacoterapia resolvido, serviu como base para estudos de caso na vida real. Nesse contexto, quis testar se o que vivenciei era válido, frente a outros profissionais acreditados, por meio de uma prova de certificação avançada em farmácia clínica da instituição que você mencionou lá em cima. Vale lembrar que a certificação é uma forma para testar os conhecimentos clínicos mínimos necessários para desempenhar um bom papel nas instituições de saúde, e um passo natural na carreira dos clínicos dos EUA, Canadá, Espanha, entre outros países, após a residência. Até onde sei, hoje são mais de 25 mil certificados no mundo.

 

 

Na residência, como é a interação com outros profissionais?

​É excelente e depende muito da habilidade de comunicação do residente, dos processos e dos serviços já estruturados e da abertura à compreensão da proposta de cuidado de outros especialistas da saúde. A minha experiência com médicos, por exemplo, é de que são grandes “mentores” da área clínica e facilitadores da implantação de inovações no modelo de cuidado ao paciente. Prova disso é que sempre tive a orientação ou co-orientação de médicos nos meus trabalhos. Poderia mencionar inúmeras vantagens das interações com outros profissionais, por exemplo: essa semana tivemos aula com o Serviço Social e eles demonstraram como um genograma poderia facilitar a avaliação da adesão ao tratamento farmacológico, uma vez compreendida a dinâmica familiar de crianças com vulnerabilidade social. São inúmeras experiências e não cabe em poucas linhas. Mas minha formação passa por importantes lições da Terapia Ocupacional, fisioterapia, nutrição, psicologia e enfermagem.

 

Como e porque você recomendaria a realização de residência por outros colegas farmacêuticos? 

Minha lógica já descrevi acima. Mas complementaria a minha resposta da seguinte forma: o American College of Clinical Pharmacy redigiu um documento (para ter acesso ao texto, clique aqui) onde farmacêuticos deveriam se especializar por meio de residências e, ao fim delas, realizar a prova de certificação clínica para avaliar os conhecimentos adquiridos. Esse não é um caminho único para ser um bom profissional, mas acho interessante para as próximas gerações de farmacêuticos, em especial desse grupo de farmacêuticos formados em residências.

 

Fazer residência também está alinhado às recentes resoluções do CFF e mudanças de paradigmas no país sobre o escopo de atividades que farmacêutico pode exercer.

Recomendo também que o residente escolha um serviço com boa estrutura e staff adequado, fato que pode impactar na qualidade da prática farmacêutica e das pesquisas que irá desenvolver. O candidato à residência deve conhecer os serviços que irá se inserir, buscar os currículos de cada preceptor ou tutor e avaliar as vantagens de cada residência, de forma a escolher aquela que irá completar suas necessidades profissionais.

 

Em que sua certificação contribui para o processo?

 

​A certificação é uma certeza que minha prática clínica está coerente com padrões de outras sociedade científicas na área de farmácia. Nos EUA, a certificação que obtive (Pharmacotherapy Specialist, BCPS) dá o direito à prescrição em alguns estados como Carolina do Norte, Califórnia e Novo México. Posso dizer que sem a residência no HC UFPR e agora, no HCPA, não teria conseguido, uma vez que a prova de certificação é basicamente acerca de situações cotidianas, como: se uso de aspirina é contraindicação absoluta para uso de alteplase em um AVC isquêmico; calcular a meia vida de um fármaco conhecendo um Ke; se resíduo borráceo em sonda enteral na UTI é indicação para omeprazol e outras perguntas que, quem está se aprofundando em resolver os problemas do dia-dia, certamente conseguiria responder as perguntas da prova (175 questões de Psiquiatria à Oncologia). Essa certificação reafirma que a residência do Brasil pode formar profissionais com habilidades acreditadas por instituições farmacêuticas externas. Depende da ambição de cada residente, dos preceptores e formadores em cada cenário de prática. Fui muito bem servido ao longo destes 4 anos e não canso de agradecer a eles. Faço isso sempre que tenho a oportunidade.

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