Entrevista: Luciane Kopittke, orientadora da RIS/GHC-RS
Referência no atendimento para o Sistema Único de Saúde (SUS) em Porto Alegre, o Grupo Hospitalar Conceição (GHC) é formado pelos hospitais Conceição, Criança Conceição, Cristo Redentor e Fêmina, além da Unidade de Pronto-Atendimento (UPA) Moacyr Scliar, de 12 postos de saúde do Serviço de Saúde Comunitária, de três Centros de Atenção Psicossocial (CAPS) e do Centro de Educação Tecnológica e Pesquisa em Saúde - Escola GHC.
Vinculada ao Ministério da Saúde, essa estrutura forma a maior rede pública de hospitais do Sul do país. São 1.492 leitos e 59,8 mil internações, 1,9 milhão de consultas, 34,9 mil cirurgias, 9,7 mil partos e cerca de 3,7 milhões de exames por ano.
Desde 2004, o GHC é cenário da Residência Integrada em Saúde (RIS), formando especialistas em diferentes áreas. As vagas para farmacêuticos foram inseridas no programa em 2006 e, atualmente, é uma das poucas residências em saúde do País que forma farmacêuticos para atuar na atenção ao paciente crítico.
A experiência de dez anos da residência do GHC será contada em um livro a ser lançado no dia 19 de dezembro. O hotsite sobre residência do CFF antecipa um pouco dessa história em uma entrevista com Luciane Kopittke, farmacêutica do Serviço de Saúde Comunitária do Grupo, orientadora da RIS/GHC e professora da Escola GHC.
A senhora poderia fazer um resumo da história da residência em área profissional no GHC? Já se vão dez anos de trabalho desenvolvido na área.
A Residência Integrada em Saúde do Grupo Hospitalar Conceição (RIS/GHC) foi
implantada em julho de 2004. A finalidade do programa é preparar os profissionais para atuar em equipe, de forma interdisciplinar, em diferentes níveis de atenção e gestão do Sistema Único de Saúde (SUS), além de fornecer subsídios para o desenvolvimento de pesquisas. Também buscamos estimular sua capacidade de análise, de enfrentamento e de proposição de ações que visem a concretizar os princípios e as diretrizes do SUS.
Quando a RIS/GHC surgiu, oferecia vagas com ênfase em Saúde da Família e Comunidade, Saúde Mental e Terapia Intensiva. Hoje a Terapia Intensiva passou para Cuidado ao Paciente Crítico onde entram os serviços de emergência, além da UTI. Atualmente, a RIS/GHC conta também com as áreas de formação em Oncologia/Hematologia, Gestão em Saúde, Atenção Materno-Infantil e Obstetrícia e Cirurgia e Traumatologia Bucomaxilofacial.
Neste ano de 2014 estamos comemorando 10 anos e em 19 de dezembro teremos o lançamento do livro que conta a história do Programa com relatos de experiência de diferentes atores que compõem ou compuseram a RIS/GHC.
Há quanto tempo foram introduzidas no Programa as vagas para farmacêuticos? Por que foi feita essa inclusão?
Em fevereiro de 2006 iniciou a primeira turma da RIS/GHC com 3 vagas para farmacêuticos na ênfase em saúde da família e comunidade. Foi a primeira residência no Rio Grande do Sul que inseriu vagas para farmacêuticos. A intenção de termos residentes farmacêuticos na saúde da família e comunidade foi de qualificar estes profissionais para atuação na Atenção Primária à Saúde (APS) e assim, qualificar o trabalho das equipes de APS.
Sabe-se que na APS é onde acontecem a maioria das prescrições e dispensação e por isso, onde está o maior potencial de possíveis problemas com medicamentos uma vez que entre a prescrição e o uso pelo paciente em sua casa, há um longo caminho em que o medicamento pode desviar-se de sua finalidade como, por exemplo, devido ao não entendimento das instruções de dose, posologia ou reações inesperadas e desagradáveis que fazem com o tratamento farmacológico seja interrompido, além da falta de acesso ao medicamento por uma série de fatores que interferem negativamente no tratamento.
Cabe ao farmacêutico promover e participar de ações para o uso racional do medicamento, além de conhecer os dados epidemiológicos da população de seu território de atuação para assim direcionar o planejamento, aquisição e armazenamento dos medicamentos considerando a real necessidade e evitando o desperdício.
Como é a formação dos farmacêuticos dentro do Programa do GHC? Que direcionamento é dado nessa formação e qual é o papel dos residentes e futuros especialistas na equipe?
Atualmente temos residentes farmacêuticos em especialização nas áreas de Saúde de Família e Comunidade (SFC), Atenção ao Paciente Crítico (APC) e Onco/Hematologia. As atividades práticas, que representam 80% da formação, são desenvolvidas dentro das dependências do GHC, por meio de estágios realizados ao longo dos 2 anos de formação. Os estágios são determinados pela área de concentração escolhida pelo residente.
E a parte teórica?
Uma vez por mês são realizados seminários integrados, onde todos os residentes, independente de sua profissão ou ênfase, participam juntos, inclusive aqueles que pertencem a outros municípios, por fazerem parte da Residência descentralizada (para a Farmácia temos 1 vaga na SFC em Marau).
Estes seminários são realizados uma vez ao mês. São ministradas, também, semanal ou quinzenalmente, as aulas de campo para cada área de concentração. No caso da SFC, a aula de campo chama-se “Currículo Integrado” e tem a participação da Residência Multiprofissional e da Residência Médica.
Também semanal ou quinzenalmente, são realizadas as aulas de núcleo por profissão, na sua ênfase de atuação. No caso da Farmácia, a cada dois meses ocorrem as aulas integradas entre os residentes das 3 áreas de ênfase para discussão de casos ou de assuntos em comum.
Como atividade teórico-prática, são realizados os seminários de campo, com todas as profissões que fazem formação naquele campo. Por exemplo, cada unidade de saúde onde tem residência em SFC faz seu seminário semanalmente ou quinzenalmente com a participação da equipe, além dos residentes (incluindo a residência médica).
No final do primeiro ano, os residentes devem apresentar um projeto de pesquisa a ser desenvolvido e finalizado no segundo ano. O tema é escolhido pelo residente, mas deve estar de acordo com a ênfase e com as necessidades do serviço onde atua. Os orientadores são os próprios trabalhadores do GHC, desde que tenham formação mínima de mestrado.
Na equipe, os residentes exercem seu papel como farmacêuticos na equipe do serviço onde estão atuando, porém, sempre com o respaldo dos farmacêuticos do serviço que atuam, como preceptores ou orientadores de núcleo.
É possível apontar resultado prático do trabalho realizado pelos profissionais de Farmácia nas equipes enquanto estão em formação? Por exemplo: Houve melhora na qualidade do atendimento prestado pelas unidades? Redução de intercorrências relacionadas ao uso de medicamentos? Redução de tempo de internação dos pacientes? Redução de custo no abastecimento das farmácias?
Hoje temos o acompanhamento dos familiares da onco/hematologia em grupos, nos quais o residente farmacêutico participa, bem como o acompanhamento dos pacientes internados. Na UTI também há o acompanhamento dos familiares dos pacientes internados. No Serviço de Saúde Comunitária, temos ambulatório farmacêutico, visitas domiciliares, grupos de usuários e de cuidadores, além da reorganização dos medicamentos (solicitação, controle de estoque, dispensação). A atuação dos farmacêuticos resultou em redução na perda de medicamentos e numa maior frequência na orientação sobre o uso e cuidados. Vários trabalhos de conclusão dos programas têm constatado resultados positivos e melhoria nos processos de trabalho.
Para o GHC, a inclusão de farmacêuticos no Programa foi um "bom negócio"? O Grupo ganhou com isso? Quais foram esses ganhos?
Para a Instituição, a entrada de farmacêuticos residentes veio qualificar o trabalho em diferentes áreas. Nas UTIs e Emergências, não havia farmacêuticos. No Serviço de Saúde Comunitária, tivemos ampliação de vagas de farmacêuticos contratados em decorrência da residência. Com isto, os serviços se qualificaram, ao reorganizar a assistência farmacêutica, diminuindo a perda de medicamentos, riscos de intoxicação e reações adversas e melhoria no cuidado dos usuários dos serviços e seus familiares. Com a atuação dos residentes na SFC, tivemos também um aumento de vagas para residentes, passando de três para cinco vagas, mais a descentralizada no Município de Marau, onde a preceptora é, inclusive, uma ex-residente nossa, que atua na Assistência Farmacêutica do Município.
Fale sobre o livro que será lançado. É possível já disponibilizar o link para que os internautas possam acessá-lo?
Em 10 de dezembro próximo, será lançado um livro contando as experiências dos 10 anos da RIS/GHC, onde teremos um capítulo falando sobre a inserção do farmacêutico na RIS. Assim que tivermos mais detalhes sobre este lançamento, enviaremos ao CFF para divulgação.
Há algo que não foi perguntado e que a senhora julgue importante acrescentar?
Entendemos que neste espaço privilegiado de práticas interdisciplinares, concretiza-se, de maneira ideal, a formação dos farmacêuticos para o SUS. Os profissionais concluem os programas com uma nova visão, que complementa, com aspectos humanistas, a sua formação estritamente tecnicista. Esta abordagem diferenciada, voltada para a integralidade da atenção, pode resultar em maior sucesso na farmacoterapia de uma parcela significativa da população, evitando problemas relacionados com medicamentos. Além disso, com a imersão do farmacêutico na equipe de saúde, este pode contribuir de forma efetiva nas ações de prevenção, promoção e recuperação da saúde. Para nós que trabalhamos em serviço com residentes, temos um ganho diário, ao estarmos sempre aprendendo através das trocas proporcionadas por este convívio interdisciplinar.
Abaixo, imagens do trabalho desenvolvido pelos residentes de Farmácia do GHC - Em setido horário: Foto 01 - Feira de Saúde na Praça (2008); Foto 02 - Feira de Saúde em uma das Unidades de Saúde do SSC/GHC - TEMA: Farmácia Caseira e Cuidados com Medicamentos (2006); Foto 03 - Contagem de medicamentos em unidade de saúde; Foto 04 - Reorganização das Farmácias.